segunda-feira, 7 de março de 2011

O Poeta e o Eunuco

Quem assistiu ao Roda Viva da semana passada viu o contraste da mediocridade com o extraordinário. "No centro da roda" esteve o poeta Ferreira Gullar e, na bancada, os jornalistas titulares do programa Marília Gabriela, Augusto Nunes e Paulo Moreira Leite, além dos convidados Mona Dorf e Carlos Graieb (também jornalistas).

Apesar de ser o melhor programa de entrevistas da televisão brasileira - se não o melhor em qualquer categoria - sempre sofre com sua maior qualidade, isto é, o brilhantismo de seus convidados. Inevitavelmente este brilhantismo se choca com as limitações dos jornalistas entrevistadores. Estes não são de todo incompetentes, ao contrário, são até figuras destacadas no meio. Porém, não se pode pedir que dominem o conhecimento de cada especialidade que ali se discute e, muito menos, que se nivelem às figuras extraordinárias que se sentam ali naquela roda.

Um dia me disseram que jornalistas eram "doutores em miscelânea". Acho a definição um tanto justa, pois reconhece as virtudes e limitações desses profissionais.


Ferreira Gullar (fonte desconhecida)

Gullar para mim é motivo de ufanismo, porque não me vem à mente artista mais brilhante e mais brasileiro que este poeta. Talvez Ariano Suassuna seja o único que lhe dê alguma competição nestes dois quesitos - mas não chega a alcançá-lo, não para mim. No Roda Viva da semana passada, além de se mostrar claramente frustrado pelo desconhecimento total dos entrevistadores sobre poesia, Gullar foi ofendido grosseiramente pelo jornalista Paulo Moreira Leite, ex-redator chefe da revista Veja. Logo no início do programa, o jornalista disse, lendo um poema de Gullar do tempo do concretismo, que era hoje uma poesia quase ilegível e afetada. O poeta se ofereceu a ensinar-lhe ler a poesia e se saiu elegantemente, embora claramente ofendido.

Neste momento fica patente o contraste da mediocridade e do extraordinário, sai faísca do impacto. Moreira Leite, com sua sensibilidade de eunuco, despreza a arte pela incompreensão, anuviado por sua racionalidade frenética e boçal. Mas é em outro momento que a alma raza do jornalista se mostra ainda mais confundida diante do poeta:

"- O senhor fala muito de morte em seus poemas, de vários amigos que já morreram; isto tem a ver com essas indagações [metafísicas, que Gullar comentava que sempre as tinha]?
- Não. Isso dói. Apenas dói. Não responde a nada".

É este tipo de gente que dita o tom na redação da revista mais vendida do país. Sorte é que nas letras do nosso país refúgio é que não falta. Vida longa a Gullar.

Pra quem quiser assistir:

http://www.tvcultura.com.br/rodaviva/programa/1245

Um comentário:

  1. Coisa linda essa resposta dele Patrão. Não vi esse roda-viva não. Apesar de concordar que é o melhor programa de entrevistas da TV acho que piorou muito em relação. Ao que era. A bancada fixa é bem fraca para ser fixa, e esse Moreira Leite é o ó. Abraço!!

    Prós

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