terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Gambazinho


O jornal The Guardian publicou no domingo um mapa interessante. Na primeira capa, o índice de posse de armas deixa os EUA com uma mancha marrom, com quase uma arma pra cada cidadão, o pior do mundo. Estes gringos perversos, bárbaros, psicóticos. O Brasil, dessa nossa gente boa e da paz, aparece em verde, com menos de uma arma pra cada nacional, entre os melhores do mundo.

A segunda capa é para o índice de homicídios por armas de fogo. Os EUA aparecem com 2 a 5 homicídios por 100 mil habitantes. O Brasil com 12 a 70, manchado de marrom.

Imagino que a dor de um pai que tem o filho perfurado por uma bala não difere muito se o assassinato foi a varejo ou a granel. Não sei quão reconfortante possa ser um luto objeto de comoção global. Mas se não reconforta, ao menos empresta algo de dignidade, algo de significado e até uma força pela mudança. A morte solitária, a dor solitária, não tem nada, o luto anônimo é só sofrimento, inútil.

Mas esta estatística horripilante nossa não é feita só pelo assassinato a granel. Também é pelo varejo. É difícil que passe um fim de semana sem alguma chacina ocorrendo em alguma periferia pelo Brasil.

A Chacina da Candelária vai fazer vinte anos no ano que vem. Entre as vítimas chacinadas pelos policiais militares (não por um doente mental, por agentes do Estado), estava um “menor” chamado “Gambazinho”. Não era criança era “menor”, não era gente era gambá. Sua homenagem é uma cruz de madeira no jardim da igreja, gravado “Gambazinho” entre os outros chacinados, que pelo menos deixaram nome próprio. Sem choro de pai, sem choro de mãe, sem choro de presidente, sem mudança, inútil.

Minha intenção não é diminuir a tragédia americana. É só uma vontade de que nosso próprio absurdo cotidiano deixasse um pouco de ser banal, de ser normal.

http://gu.com/p/397e4


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