quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Sul do Norte

Uma das minhas mais fortes impressões do povo alemão foi sua afeição à inteligência. Isto se observa desde a mecânica de coisas básicas do dia-a-dia – sempre surpreendentemente funcional e eficiente – até o futebol da seleção nacional. O time de Löw era o mais jovem da Copa do Mundo de 2010, e jogou muito bem. Mas nem por isso abandonou o futebol esquemático, enquadrado, inteligente, tão característico do país. Talvez tentar mudar isso resultaria no mesmo que resultou a tentativa do Dunga de germanizar o futebol tupiniquim.

Na primeira vez que morei na Alemanha, há oito anos, em Rostock, eu estudava ao lado de um canteiro de obras. Eu estranhava muito por quase não ver gente trabalhando. No entanto, a cada dia que passava pela obra, parecia que tinha subido um andar a mais do edifício em construção. Antes de ir pra Alemanha, eu tinha a idéia de um povo aficionado com trabalho, mas percebi que é justamente o contrário. Os profissionais liberais quase nunca trabalham 40 horas semanais e quase impossível é encontrar um estabelecimento comercial aberto aos domingos, mesmo nas grandes cidades. O alemão trabalha relativamente pouco, mas o faz com disciplina e inteligência, aplicando tecnologia e sempre desenvolvendo novas técnicas.

Nas relações sociais também é muito valorizada a inteligência. O que em geral é muito bom, mas que muitas vezes também resulta em insuportáveis competições intelectuais.

Embora o estereótipo de um povo frio seja exagerado, não pude evitar a impressão de que essa gente tão cerebral careça de alguma extroversão, espontaneidade, leveza. Eles mesmos parecem sentir essa falta e isso explica o fascínio das novas gerações por batuques e capoeiras. É a admiração pelo sul.

Mas a relação dos alemães com os povos do sul também é caracterizada historicamente por certo desprezo. O nazismo foi a expressão máxima do Deutschland über alles, mas esta atitude de superioridade não nasceu ali. A literatura de Thomas Mann, por exemplo, reflete bem isso. No conto Tonio Kröger, de 1903, o personagem que dá nome à estória, perguntado se viajaria à Itália, responde:

“Toda aquela bellezza me dá nos nervos. E eu não posso suportar toda aquela terrível vivacidade, toda aquela gente com seus olhos negros animalescos. Eles não têm consciência em seus olhos, essas raças latinas... Não, desta vez farei uma pequena viagem à Dinamarca.”

É ainda uma relação bastante dual a que percebi entre os alemães em relação aos povos do sul. Da minha parte, as duas temporadas que passei na Alemanha só reforçaram minha admiração pela bellezza do nosso sul.

Um comentário:

  1. Bacana mesmo... Acho que as vezes a gente fica só no estereótipo idiotizante da relação entre os povos e se esquece de pensar sobre diferenças e semelhanças.

    E tenho me sentido as vezes amargo, triste com a burrice de nosso povo. As vezes o que chamo de burrice pode até refletir uma diferença de olhar, de valor sobre as coisas. Mas na maioria das vezes me parece apenas falta de proteína, ferro, potássio, sódio... Falta de boa educação, de incentivo também. Ou seja, representa a desigualdade que marca nosso sul. o Bourdieu conta que os velhos gregos deixavam a beleza e a força para os joves e ficavam com o poder,a inteligencia e a riqueza. Foda essa citação do Thomas Mann...
    Ontem eu ouvi essa mensagem do Vinicius de Moraes ao povo portugues, mas em certa medida tambem faz jus aos europeus como um todo. http://www.youtube.com/watch?v=j5QQ6OsgqaY
    abraço,
    prós

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